Sábado à noite

 -Você não devia tá aqui. Eu pedi pra que não voltasse, o que deu em você?
 -Eu apenas queria te ver de novo...-Não! Nem pensar! Desapareça! SUMA!
 Ele abaixa a cabeça e vai em direção a porta, dá uma olha para atrás, e retorna a olhar para baixo.
 No canto da porta, havia o salto-alto dela, que tinha deixado quando chegou.
-Já nos despedimos, agora peço que vá.

Mas antes, um mês atrás, o que havia de novo? Muitos problemas, ele não conseguia emprego
Ela estava ocupada com planos futuros, e problemas pessoais importantíssimos.
 -Você sorria mais.
 -Eu sei, você falava mais também.
 -Acho que sim, querida.

Acho que nada poderia ser mais deprimente que olhar para o mar, sem sentir o cheiro dele.
Deitar na cama, e não sentir o cheiro dela. O que poderia ser mais deprimente, se não acordasse mais?
O que poderíamos fazer, se hoje já é tarde. Se já não falo mais nem de mim, pra ninguém.
Se não fosse novidade, e que parassem de me olhar nos olhos. Não estou aqui pra ser agradável com ninguém. Quero mesmo que nunca acabe o café da garrafa térmica, deus, eu não sei nem o que estou falando. Estou falando comigo mesmo à horas, não tenho emails novos, nem um emprego.

 -Não me chame para sair. Não estou pronto, para onde vamos?

Deus, odeio esses bares com luz alta As pessoas não gostam de olhar umas as outras enquanto bebem, só quero uma luz baixa e que toque um blues. Aceito um Beatles, não me venha com Smiths, hoje é Sábado.
Bem, essas mulheres que não aceitam relacionamentos sérios, elas estão em relacionamentos sérios com elas
mesmo. Eu nunca fui de pensar nisso, cara, acho que isso deve ser algum tipo de inteligência superior só das
mulheres. Hoje em diante estou em relacionamento sério, com esse copo de cerveja, que por sinal está ficando quente. Olha só, já estamos em conflito, esquece, não fui feito pra isso. Não me dou bem com relacionamentos vazios, se depender de mim eu vou me matar. A dramaticidade faz parte da minha vida,
as vezes sou um pouco infeliz, sou deprimido também, preciso confirmar isso com algum médico?
O ultimo relacionamento que tive, talvez o penúltimo, ela me chamava de hipocondríaco. Uma vez tive que vomitar sangue pra ela perceber que era verdade.

 -Eu demorei muito? -De jeito nenhum, estava só pensando.
 -Entendi... Como está a cerveja? Parece que não está gostando.
 -Você tem razão, as mulheres tem razão quase sempre. Eu vou de uísque com gelo e você?
 -Vodca com tônica, obrigada.

Pela primeira vez que saio com uma amiga pra beber, diabos, por que as mulheres se arrumam tanto?
Eu tive que esperar quase 40 minutos na sala dela. Tive que ouvir um disco inteiro de uma banda hippie
nova. Os caras misturavam salsa com rock experimental. Aqueles chocalhos ainda estão na minha cabeça.
Parece que ela queria me empurrar pra algumas mulheres desse bar, mas eu só via meninas da faculdade
que queriam mudar o mundo, e eu tinha esquecido de pagar a minha conta do gás. Como se relacionar assim?As mulheres são tão independentes isso me atrai bastante, eu nunca fui machista, nunca fui sexista alias. Virei o pescoço pra falar com ela e vi, umas garotas lá no fundo, pareciam deslocadas como eu.

 -Ei, quem são aquelas lá no fundo?
 -Eu nunca vi elas por aqui, você quer conhecê-las?
 -Vamos com calma, eu estou bem aqui com você e com meu uísque com gelo.

Ela sorriu e empurrou meu ombro, ela já estava conversando com uma menina. Ela estava com um vestido longo e florido, o cabelo dela não parecia penteado, mas era dourado e bonito.
Confesso que estava perdido, pedi mais um copo com uísque e gelo e saí um pouco do bar.
O tempo estava bem agradável, sentei-me num bancos desses de rua. Havia uma moça, com uma jaqueta
verde escuro, ela estava fumando um baseado. Não me importei e dei um gole no meu uísque.
Ela vira pro lado e me vê ao seu lado.

 -Oi, você quer um trago?
 -Não, obrigado. Vou ficar com o meu uísque.
 -Tudo bem, quer dizer, estranho. Você não se levantou e saiu fora.
 -Porque eu sairia? Acabei de sentar aqui.
 -Bom, todos os que sentaram saíram, quando eu perguntei.
 -Que decepção! Não fui o seu primeiro.
Ela riu, um sorriso enorme e lindo, me preencheu.
 -Aonde você aprendeu a sorrir assim?
 -Não faço ideia, o que tem no meu sorriso?
 -Nunca vi mais bonito, escuta, não estou te cantando. Por que acho que pareceu.
 -Fica tranquilo, ei, me dá um gole nessa sua bebida?
 -Pode matar, eu vou pegar mais, aceita um?
 -Que gentil, aceito um uísque com tônica.
 -Claro, porque não.

Na volta pro bar, vejo a minha amiga indo em direção ao banheiro com a sua amiga hippie. Bom, alguém se deu bem hoje a noite. Na volta pra rua, a garota estava sentada no chão, com as costas no banco.

 -Olá, você voltou, pensei que até fosse um jeito de sair fora.
 -Diabos! Estou ofendido hahaha! Não sou desses, acho que diria algo, até uma desculpa esfarrapada, mas  não sairia assim de canto. Bom, aqui está sua bebida.
 -Muito obrigado, enfim, o que você faz? Já estamos no clímax pra perguntar esse tipo de coisa?
 -Oh, sim, porque não? Bom, estou desempregado e as vezes tomo umas pra pensar. Vim com uma amiga  que me arrastou praticamente até aqui. E você, como vive?
 -Vou te contar, cara. Nem eu sei direito, faço facul, mas sabe. Eu não sei, cara. Talvez eu viaje e conheça  algo.
 -Você é mais confusa que o trânsito na Índia!

Depois de um longo papo, sobre evolução e constelações, eu esperei a minha amiga sair do bar de mãos dadas pra sua colega hippie e fomos até o carro dela, perguntei se não queria pegar um taxi.
Ela disse que estava tudo bem, e seguíamos até a minha casa. Me deixaram na portaria, eu abaixei a cabeça pra cumprimentá-las e subi até o meu apartamento. Diabos, como estava vazio, eu estava vazio. Coloquei um disco pra tocar e deitei sobre o sofá, era pequeno, me sentia confortável. Me sentia menos sozinho,
já que não sobrava espaço pra mais ninguém.

Magno Silvestre

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